A repressão policial nos espaços públicos e a Representação Social do traficante de drogas

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A imagem mostra a repressão da PM do Rio de Janeiro contra jovens moradores de periferia que frequentam as praias nos fins de semana, mas cenas como estas também podem ser observadas facilmente nas prias da capital cearense. FOTO –  Eduarto Naddar / Agência O Globo

Elizeu Santos

O seguinte texto foi inspirado num fato que ocorreu durante uma reunião da Marcha da Maconha Fortaleza, no último domingo (15/01), onde alguns companheiros e eu debatíamos pautas do movimento e deliberávamos alguns pontos sobre a Marcha de 2017. A reunião aconteceu à beira da praia, no Poço da Draga, vizinho à Ponte Metálica (Praia de Iracema). Este local da praia é ocupado não só por pessoas que moram na comunidade, mas por surfistas, famílias e jovens em geral de diferentes partes da cidade de Fortaleza e no domingo a praia lota. Tocávamos a reunião normalmente, quando de repente olho para trás e vejo um verdadeiro exército de policiais fortemente armados, uns a pé e outros de moto. Continuamos onde estávamos, observando que tipo de ação a PM-CE executaria ali. Para que(m) tanta polícia?

Sob o pretexto de combater o uso e a venda das drogas tornadas ilícitas, os PMs já chegaram como manda a cartilha fascista da organização que fazem parte. Enquanto uns ficaram de plantão na rua da saída da praia, outros foram na direção das pessoas que estavam na praia. Dezenas de policiais revistando de forma truculenta, agredindo física e verbalmente e mandando algumas pessoas irem embora para suas casas. Toque de recolher em pleno domingo à tarde. Em poucos minutos um ambiente de lazer e descanso se transformou e surgiu um clima tenso, de insegurança. Se você tem o mínimo de conhecimento sobre a realidade da repressão policial no Brasil, já imaginou a cor da pele e a classe social da maioria das vítimas da violência policial neste episódio.

Os policiais, talvez por não perceberem de que se tratava o nosso debate, e que posição temos diante da Polícia Militar, não nos incomodaram. Éramos quase todos brancos, alguns universitários, enfim: um perfil diferente da “clientela preferencial”. Finalizamos nossa reunião e caminhamos, alguns camaradas e eu, para o Aterro da Praia de Iracema, onde acontecia um evento esportivo com musica ao vivo. Lá o ambiente não era tão diferente do Poço da Draga: pessoas tomando banho de mar, se divertindo e usando drogas (coisa que acontece em qualquer ambiente recreativo. Quando não é maconha, são drogas mais socialmente aceitas ou de uso mais facilmente disfarçado). Porém havia uma grande diferença entre os dois ambientes: o público que ocupava o local era, em sua maioria, branco e aparentemente de classe média. Não vimos sequer um policial lá.

O que simboliza esse tipo de ação do Estado? Combate ao tráfico de drogas? Se assim fosse, porque não nos revistaram durante a reunião, ou não se fizeram presentes nos dois eventos de forma igual? Ou será que eles acham que universitário/classe média/branco também não usa drogas? O Estado Burguês é tudo, menos ingênuo.

Quem é o traficante?

Criou-se na sociedade um estereótipo dos traficantes de drogas, ancorando à essa categoria características específicas como: cor da pele, classe social e lugar onde moram, e difundiu-se essa figura pelo imaginário do senso comum. Mesmo os que estão atuando no comércio ilegal de drogas, no varejo, que se enquadram nessas características estão longe de ser os verdadeiros responsáveis por este mercado bilionário. Se fôssemos representar o traficante de forma que correspondesse à realidade, deveríamos pensar na imagem de um bancário, nos lordes do sistema financeiro, nos políticos donos de helicópteros carregados de cocaína. Não existe plantação de coca nas favelas e muito menos favelado dono de helicóptero.

Grande parte dessa representação cruel e seletiva da figura do traficante que permeia o imaginário coletivo deve-se a mídia e seus programas policialescos, que além de fomentarem o discurso de ódio contra essas pessoas, também legitimam toda e qualquer ação do Estado, não só contra os ditos “traficantes”, mas também contra qualquer um que carregue uma ou mais das características que compõe esse estereótipo. Contra estes tudo pode e até oque não é legítimo, por lei, é legitimado através da manipulação do discurso das massas. É o Estado de Exceção operando na prática da guerra às drogas e massacrando os Direitos Humanos de toda uma classe.

A seletividade policial, assim como tudo em nossa sociedade, deve ser analisada em seu caráter histórico e essa análise pode ser feita quando estudamos a intenção de criminalização de determinados grupos sociais pelo Estado através da proibição de algumas drogas, porém é importante atribuir parte deste fenômeno ao discurso higienista da criminologia.

Na segunda metade do século XIX, ganha força no meio jurídico brasileiro o pensamento de Cesare Lombroso. Segundo ele, o criminoso seria “uma espécie a parte do gênero humano”, com características físicas diferentes do “homem honesto”. Lombroso acreditava que os criminosos tinham um padrão de características em comum, que iam desde o formato da cabeça, má formação das orelhas e até insensibilidade à dor física.

Um pouco depois a criminologia brasileira começa a olhar não só para as características físicas dos criminosos, mas também passam a tentar relacionar um padrão de comportamentos compartilhado por estes, e encontra base teórica no discurso do “anormal moral”, de Enrico Ferri. Segundo ele este padrão de comportamentos indicava uma “anormalidade”, uma tendência para o crime. Em sua teroria, Ferri atribui estes comportamentos às camadas sociais menos abastardas, e taxa os indivíduos pertencentes as classes menos favorecidas como “criminosos em potencial”, o que justificaria, segundo ele, a aplicação de penas maiores e a vigilância policial mais ostensiva para essas pessoas.

Tanto a teoria das características físicas quanto a dos comportamentos ditos “antissociais”, estão presentes (de forma mais sofisticada) como critérios de seleção do sistema penal até os dias de hoje. Características físicas, como cor de pele e comportamentos, como antes acontecia com o samba e a capoeira, por exemplo, e hoje acontece com a questão das drogas, são fatores que têm grande relevância na probabilidade de um cidadão comum brasileiro ter seus Direitos Humanos violados pela polícia a qualquer momento.

Sobre Elizeu Santos

Ativista antiproibicionista no Coletivo Plantando Informação.
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